sábado, 20 de outubro de 2012

História da Termodinâmica


Imagem: Enciclopedia Wikipédia

A breve história da termodinâmica começa com Guericke, que em 1650 projetou e construiu a primeira bomba de vácuo do mundo, e o primeiro vácuo artificial do mundo, através das hemisférios de Magdeburgo. Ele foi incentivado pela busca em provar a invalidade da antiga percepção de que "a natureza tem horror ao vácuo" e de que não poderia haver vazio ou vácuo, "pois no vácuo todos os corpos cairiam com a mesma velocidade" tal como descreveu em ambos os casos Aristóteles.

Logo após este evento, o físico e químico Irlandês Robert Boyle tomou ciência dos experimentos de Guericke, e em 1656, em coordenação com o cientista Inglês Robert Hooke, construiu uma bomba de ar. Usando esta bomba, Boyle e Hooke perceberam uma correlação entre pressão, temperatura e volume. Com isso foi formulada a Lei de Boyle, a qual estabelece que a pressão e o volume são inversamente proporcionais. Então, em 1679, baseado nestes conceitos, um conhecido de Boyle chamado Denis Papin construiu um forno de pressão (marmita de Papin), que era um vaso fechado com uma tampa fechada hermeticamente que confinava o vapor até alta pressão ser gerada.

Projetos posteriores incluíram uma válvula de alívio para o vapor, evitando que o recipiente explodisse devido à alta pressão. Observando o movimento rítmico da válvula de alívio para cima e para baixo, Papin concebeu a idéia de uma máquina constituída de um pistão e um cilindro. Mas Papin não seguiu adiante com a idéia. Foi somente em 1697, baseado nas idéias de Papin, que o engenheiro Thomas Savery construiu a primeira máquina a vapor. Embora nesta época as máquinas fossem brutas e ineficientes, elas atraíram a atenção dos principais cientistas da época. Um destes cientistas foi Sadi Carnot, o "pai da termodinâmica", que em 1824 publicou "Reflexões sobre a Potência Motriz do Fogo", um discurso sobre o calor, potência e eficiência de máquina. O texto trouxe as relações energéticas básicas entre a máquina de Carnot, o ciclo de Carnot e a potência motriz. Isto marcou o início da termodinâmica como ciência moderna.

É bastante conhecido o fato de que qualquer porção de matéria ou determinada substância ser constituída por um número muito grande de partículas microscópicas fundamentais - átomos ou moléculas conforme o caso, em geral, ou outrem, em casos mais específicos . Embora a termodinâmica utilize - quando disponíveis - as propriedades microscópicas de um sistema de partículas para inferir suas propriedades macroscópicas, a termodinâmica não descreve as propriedades microscópicas deste. As propriedades termodinâmicas deste sistema de partículas são determinadas apenas por suas propriedades macroscópicas.

Partindo de um ponto de vista puramente macroscópico para o estudo do sistema - que não requer o conhecimento do comportamento individual das partículas microscópicas que integram o mesmo - desenvolveu-se a chamada termodinâmica clássica. Ela permite abordar de uma maneira fácil e direta os problemas correlatos ao comportamento da matéria e energia em tal escala e as soluções para os mesmos. Uma abordagem mais elaborada, baseada no comportamento médio de grandes grupos de partículas, é chamada de termodinâmica estatística.. A termodinâmica estatística trouxe respostas, entre outros, quanto à natureza de conceitos como energia interna e temperatura associados aos sistemas termodinâmicos, e neste âmbito, a termodinâmica pode ser definida como a área de estudos que descreve e analisa o comportamento macroscópico de sistemas constituídos por um número de partículas o necessariamente alto - no limite termodinâmico, "infinito" - para inviabilizar a análise prática do mesmo mediante a análise individual de cada partícula que o compõe.

O ponto inicial para a maioria das considerações termodinâmicas são as Leis da Termodinâmica, que postulam as características intrínsecas a todo sistema termodinâmico, e também que a energia pode ser transferida de um sistema físico para outro como calor ou trabalho. Elas também postulam a existência de uma quantidade chamada entropia, que pode ser definida para qualquer sistema..

Em termodinâmica, interações entre sistemas são particularmente enfocadas, estudadas e categorizadas. Para este estudo, os conceitos de sistema e vizinhanças são centrais - e por tal também são de extrema relevância as características das fronteiras que os definem. Um sistema termodinâmico é composto de "infinitas" partículas encerradas dentro de uma fronteira, cujos movimento e inter-relacionamento médios ou totais definem suas propriedades termodinâmicas, cujas relações são expressas através de equações de estado, sendo estas certamente de vital relevância ao estudo temodinâmico de tais sistemas. Tais propriedades podem também ser adequadamente combinadas de forma a expressar a energia interna ou os demais potenciais termodinâmicos - ou a entropia e suas transformadas - como equações fundamentais - que são extremamente úteis na compreensão e análise das condições de equilíbrio e em processos ou transformações, espontâneos ou não, associados ao sistema. Uma equação fundamental, ao contrário de uma equação de estado, sempre encerra em si todas as informações termodinâmicas do sistema à qual se associa. Ao conjunto de todos os sistemas com o quais o sistema em foco se relaciona através de fronteiras comuns dá-se o nome de vizinhança. Ao conjunto de todos os sistemas pertinentes dá-se o nome de universo.

Com suas ferramentas - o formalismo da termodinâmica - a termodinâmica descreve não apenas os sistemas mas também como os sistemas respondem a mudanças em sua vizinhança. Isso pode ser aplicado a uma ampla variedade de tópicos em ciência e tecnologia, como por exemplo, máquinas, transições de fases, reações químicas, fenômenos de transporte e até buracos negros. Os resultados da termodinâmica são essenciais para outros campos da física e da química, engenharia química, engenharia aeroespacial, engenharia mecânica, biologia celular, engenharia biomédica, ciências dos materiais e economia, para citar alguns.

Transformações e Processos

Sempre que duas ou mais propriedades de um sistema variam, diz-se que ocorreu um processo. Sempre que há mudança entre estados de equilíbrio há um processo. Um processo é geralmente descrito por um diagrama identificando os sucessivos estados pelo qual passa o sistema durante o transcurso do mesmo. Um processo de quase-equilíbrio (quase-estático) é aquele em que o desvio do equilíbrio termodinâmico ao ir-se de um estado de equilíbrio ao subsequente é infinitesimal, de forma que o sistema pode ser considerado a qualquer momento como estando em um dos estados de equilíbrio. Assim um processo quase estático se aproxima muito de uma sucessão de estados de equilíbrio, e tais processos têm diagramas representativos descritos por linhas, e não por pontos não intercalados, em umdiagrama de estados. Muitos processos reais, geralmente os processos lentos, podem ser considerados com razoável precisão como sendo processos de quase-equilíbrio. Vários outros - entre os quais os processos que ocorrem de forma brusca - não.O termo "transformação" é normalmente utilizado para referenciar um processo quase-estático.

Princípios da termodinâmica

Princípio zero: entrando em equilíbrio

O princípio básico sobre o qual a termodinâmica se assenta é : dado um sistema isolado - envolto por uma fronteira completamente restritiva em relação à troca de energia ou matéria - haverá um estado em particular, caracterizado pela constância de todas as grandezas termodinâmicas mensuráveis (temperatura, pressões parciais, volume das fases, etc.), que, uma vez dado tempo suficiente para as transformações necessárias ocorrerem, sempre será atingido. Os valores a serem assumidos pelas grandezas no estado de equilíbrio encontram-se univocamente determinados desde o estabelecimento da fronteira e do sistema, dependendo estes, em sistemas simples, apenas do número e natureza das partículas, do volume e da energia interna encerrados no sistema. Tal estado final de equilíbrio do sistema é nomeado estado de equilíbrio termodinâmico. A rigor define-se temperatura apenas para o estado de equilíbrio termodinâmico, não se definindo em princípio a mesma grandeza para sistemas fora do equilíbrio.

O princípio zero ainda engloba o raciocínio de que, se dois sistemas A e B - cada qual já em seu respectivo estado de equilíbrio - forem colocados um a um em contato de forma adequada com um sistema C, e verificar-se experimentalmente que estes mantiveram os respectivos estados de equilíbrio originais, estes estarão não apenas em equilíbrio com C mas também estarão em equilíbrio entre si, de forma que também manterão seus respectivos estados de equilíbrio originais se colocados em contato mediante fronteira semelhante. Considera-se para tal geralmente uma fronteira não restritiva apenas quanto à troca de calor, caso em que se fala em equilíbrio térmico . Tal princípio implica, pois: se a temperatura de A e B são iguais à de C, as temperaturas de A e B serão também necessariamente iguais. Se a fronteira não for restritiva quanto à troca de energia em qualquer de suas formas - calor ou trabalho - mas o for ainda em relação à troca de matéria, falar-se-á em equilíbrio térmico e mecânico. Neste caso, não somente suas temperaturas mas também suas pressões serão iguais. Se a fronteira for completamente irrestritiva, permitindo inclusive a troca de matéria e reações químicas, falar-se-á em equilíbrio térmico, mecânico e (eletro)químico, ou seja, em equilíbrio termodinâmico . Este princípio básico - conhecido por razões cronológicas e históricas como princípio zero da termodinâmica - é o que possibilita a definição macroscópica de temperatura e também a construção de termômetros.

Princípio primeiro: conservando a energia

Observação: a compreensão do que se segue exige o conhecimento das definições de: energia, energia interna, energia térmica, temperatura (absoluta), energia potencial, pressão, volume, calor e trabalho. Solicita-se a leitura dos artigos específicos caso estes conceitos não se mostrem familiares.
De acordo com o princípio da Conservação da Energia, a energia não pode ser criada nem destruída, mas somente transformada de uma espécie em outra. O primeiro princípio da termodinâmica estabelece uma equivalência entre o trabalho e o calor trocados entre um sistema e seu meio exterior no que se refira à variação da energia interna do sistema.Considere um sistema e sua vizinhança, em uma situação tal que uma certa quantidade de calor Q tenha atravessado a fronteira comum aos dois (devido à diferença de temperaturas entre ambos). Considere também que a fronteira comum entre os sistemas se mova neste processo, implicando em energia trocada na forma de trabalho entre ambos. Neste caso a variação na energia interna do sistema em foco é expressa por:

 DU=Q-W

A expressão acima representa analiticamente o primeiro princípio da termodinâmica, cujo enunciado pode ser:

" a variação da energia interna de um sistema é igual à diferença entre o calor e o trabalho trocados pelo sistema com o meio exterior."
Considerando-se para fins ilustrativos um sistema composto por um gás com apenas movimentos translacionais (isso é, monoatômico) e sem interação potencial entre partículas, a variação de energia interna pode ser determinada por

,DU=3/2nR(Tf-Ti)

onde n é o número de mols do gás, R é a constante dos gases, aTf temperatura final e aTi temperatura inicial do gás.
Repare que para um gás ideal a variação em sua energia interna está associada apenas à variação em sua temperatura. Transformações isotérmicas envolvendo um gás ideal implicam portanto que o trabalho W realizado pelo sistema sobre a vizinhança iguala-se em módulo ao calor que entra no sistema oriundo da vizinhança.
Para a aplicação do primeiro princípio de termodinâmica devem-se respeitar as seguintes convenções :
  • Q > 0: calor é recebido pelo sistema oriundo de sua vizinhança.
  • Q < 0: calor cedido pelo sistema à vizinhança.
  • W > 0: volume do sistema aumenta; o sistema realiza trabalho sobre a vizinhança (cujo volume diminui).
  • W < 0: volume do sistema diminui; o sistema recebe energia na forma de trabalho oriunda de sua vizinhança (cujo volume aumenta).
  • DU> 0: a energia interna do sistema aumenta.
  • DU< 0: a energia interna do sistema diminui.
É muito comum associar-se de forma errônea o aumento da energia interna em um sistema a um aumento em sua temperatura. Embora esta relação mostre-se verdadeira para a maioria dos sistemas, ao rigor da análise esta associação não procede. Alguns exemplos bem simples, como a combustão de vapor de gasolina e oxigênio em um cilindro de automóvel - que por ser muito rápida, pode ser considerada um processo adiabático - ou uma simples mistura de sal e gelo, mostram que não há uma relação estrita entre energia interna e temperatura, mas sim entre energia térmica e temperatura.

Na combustão do vapor de gasolina e oxigênio formam-se vapor de água e gás carbônico que, ao fim, estão em temperatura muito maior do que a temperatura dos reagentes. Contudo a energia interna do sistema não varia. O que ocorre é a transformação de parte da energia potencial - uma das parcelas que integram a energia interna - do sistema em energia térmica, a outra parcela que a integra. Como o aumento na energia térmica é inteiramente oriundo da diminuição da energia potencial (energia química) do sistema, a energia interna permanece a mesma, e não há variação na energia interna do sistema, mesmo observando-se um enorme aumento em sua temperatura.

Caso contrário é observado em um sistema composto por gelo e sal mantidos separados. Removendo-se a fronteira que os separa, a temperatura da mistura salina que se forma cai drasticamente, contudo a energia interna do sistema, assumido envolto por uma fronteira completamente restritiva (um sistema isolado), permanece constante. Parte da energia térmica é utilizada para romper-se as ligações iônicas associada à forma cristalina do sal - liquefazendo a mistura - e transformando-se por tal em energia potencial. O decréscimo na energia térmica é contudo compensado pelo acréscimo na energia potencial, de forma que a energia interna - conforme exigido pela fronteira restritiva - não varia, embora a temperatura caia substancialmente.

Podemos dizer que a energia interna do sistema é uma função de estado pois ela depende unicamente dos valores assumidos pelas variáveis de estado do sistema, e não da forma como tais variáveis assumiram tais valores. Em outras palavras, a energia interna de uma xícara de café quente com mesma composição química, mesma concentração, mesma massa, quando submetida à mesma pressão, volume e temperatura, será sempre a mesma, independente de como se fez o café, ou se este foi feito agora, ou requentado.
Repare que a energia interna é função apenas da temperatura somente para casos especiais, como o caso do gás ideal. Para casos genéricos não pode-se assumir tal conjectura como verdadeira. A energia interna pode depender da pressão, do volume, e de qualquer outra grandeza termodinâmica de forma explicita.

Quanto ao trabalho realizado pelo sistema sobre sua vizinhança, este pode ser facilmente determinado em transformações isobáricas - aquelas nas quais a pressão permanece constante - por:

W=p(V2-V1)

onde V2 e V1 representam os volumes final e inicial do sistema, respectivamente. Repare a convenção a origem da convenção de sinais: quando o gás realiza trabalho sobre o meio - expandindo-se contra a pressão imposta pelo mesmo e gastando parte de sua energia interna para tal - o sinal do trabalho é positivo (volume aumenta), o qual, substituído na expressão matemática do primeiro princípio, implica um decréscimo da energia interna do sistema em virtude do sinal negativo presente nesta última expressão.
Em casos mais complexos, o trabalho pode ser determinado através de um diagrama de pressão x volume para a transformação sofrida. Este corresponde à área sob a região determinada pelos estados inicial, final, e pela curva associada (vide figuras abaixo).

Princípio segundo: uma passagem só de ida

A termodinâmica permite determinar a direção na qual vários processos físicos e químicos irão ocorrer espontaneamente, e as condições para que possam ser revertidos (reversibilidade). Permite também determinar quais processos podem ocorrer, e quais não podem (irreversibilidade). Também permite determinar as inter-relações entre as diversas propriedades de uma substância, a exemplo calor específico, coeficiente de dilatação volumétrica, compressibilidade, e demais. Contudo ela não encerra em sua descrição macroscópica dados relativos aos modelos da microestrutura da substância, e não é capaz de fornecer detalhes dela partindo-se apenas das grandezas macroscópicas. Contudo, uma vez que a estrutura microscópica do sistema seja previamente conhecida, através do método da termodinâmica clássica e estatística, as propriedades e o comportamento termodinâmicos do sistema podem ser em princípio facilmente determinados.

Em sistemas adiabáticos determinados processos ocorrem em sentido único, sendo impossível, sem violar-se a restrição adiabática imposta pela barreira, regressar-se ao estado original. Associado à irreversibilidade de tais processos tem-se a segunda lei da termodinâmica: em processos adiabáticos, a entropia do sistema permanece constante ou aumenta, contudo nunca diminui. Se um processo qualquer - geralmente processos bruscos, como a expansão livre - implicar em aumento da entropia do sistema, o estado inicial - de menor entropia - torna-se inacessível ao sistema sem violação da restrição imposta. Após uma expansão livre não consegue-se mais retornar às mesmas condições de pressão, volume e temperatura iniciais sem a violação da fronteira adiabática do sistema.

A 2ª Lei da termodinâmica estabelece portanto uma seta para o tempo: estabelece em essência a possibilidade de se definir com precisão uma ordem cronológica para uma série de eventos relacionados. Estabelece que energia cinética macroscópicamente mensurável pode sempre reduzir-se, mediante trabalho, a calor, e desta forma acabar fazendo parte das entranhas de um sistema termodinâmico - ou seja, da energia interna deste - contudo o processo inverso jamais ocorre com rendimento de 100%. Calor oriundo da energia interna de um sistema não pode ser totalmente convertido em trabalho, e por tal jamais é completamente convertido em energia cinética macroscopicamente mensurável. Decorre desta certamente considerações estimulantes tanto de ordem filosóficas como de ordem científica ligadas às implicações da mesma, a exemplo considerações sobre a possível morte térmica do universo.


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