Vaticano |
História
O conclave é um ritual praticamente inalterado desde há oito séculos: foi o Papa Gregório X que usou pela primeira vez a palavra em 1274 e instituiu a base dos actuais conclaves. Isto deveu-se à demorada sucessão do Papa Clemente IV,
que demorou mais de um ano e meio. O Papa quis então prevenir que a
escolha do Sumo Pontífice não demorasse tanto tempo, obrigando que a
reunião tivesse de ser conclusiva.
Um conclave deve começar entre 15 e 20 dias depois da renúncia ou
morte do Papa. Este prazo foi fixado na época medieval, quando viajar
até Roma a partir de qualquer parte do mundo cristão era tarefa para demorar semanas, e embora hoje em dia os Cardeais
possam fazê-lo em questão de poucas horas, manteve-se este intervalo
para que os Cardeais aproveitem esse tempo para fazer reuniões entre si
nas quais se debate o estado da Igreja ou, embora esteja teoricamente
proibido, sondar alianças e candidatos. O intervalo denomina-se novemdiales. Este período termina com a missa Pro Eligendo Romano Pontifice, com a presença de todos os Cardeais na Basílica de São Pedro na mesma manhã em que começa o conclave. Depois, os membros do Colégio Cardinalício dirigem-se à Capela Sistina, onde se fazem as votações.
Procedimento
Assim que ocorre o falecimento ou a renúncia de um Papa, a Sé Apostólica é considerada vacante (vaga) até à data da eleição do novo pontífice. Neste período, os assuntos da Igreja são entregues ao Cardeal Decano, ou Camerlengo, ao qual compete comprovar oficialmente a morte do Papa, fazendo-o na presença do Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, dos Prelados Clérigos e dos Secretário e Chanceler da Câmara Apostólica. O Camerlengo também redige a ata referente ao falecimento do Papa. Cumpre-lhe ainda a missão de convocar o Sagrado Colégio dos Cardeais,
para que se reúnam em Conclave, o qual elegerá o novo Papa. O
Camerlengo tem igualmente o encargo de recolher o selo e o anel
pontifícios, encerrando os aposentos e dependências onde o pontífice
defunto viveu e trabalhou, para que ninguém possa ter acesso aos mesmos.
Se o Papa for sepultado na Basílica vaticana, cabe ao notário do
capítulo da Basílica, ou ao cónego arquivista, a redação do documento
oficial comprovativo.
Após a morte do Papa, e durante nove dias, os Cardeais celebram
exéquias de sufrágio pela sua alma, de acordo com o que está
estabelecido no documento Ordo Exsequiaram Romani Pontifici. O
direito de eleger o Papa é exclusivo dos Cardeais, exceptuando-se
aqueles que tenham cumprido os 80 anos antes do anúncio da Sé Apostólica
vacante (o último Papa que não era Cardeal foi Urbano VI, em 1378; os últimos Papas que eram laicos à data da eleição datam do século X - João XII e Leão VIII). O número total de Cardeais eleitores não pode ser superior a 120. O Conclave realiza-se obrigatoriamente dentro do Estado do Vaticano (Capela Sistina), decorrendo as suas sessões no meio do maior secretismo e isolamento.
O Papa Paulo VI reformulou as regras de eleição do Papa, através do Motu Proprio Ingravescentem Aetatem, de 21 de novembro de 1970. A 1 de outubro de 1975, Paulo VI fez ainda publicar a Constituição Apostólica Romano Pontífice Eligendo, documento de 62 páginas, em que reafirma o disposto naquele Motu Proprio
de 1970. Nesse documento, decretou três modalidades para a eleição do
Papa: 'por aclamação' (um Cardeal propõe um nome e os outros Cardeais
aceitam-no imediatamente); 'por compromisso', isto é, por aceitação do
nome decidido por um grupo de Cardeais, e 'por votação'. Neste último
caso, o nome do Cardeal mais votado tinha que somar dois terços dos
votos. As normas de eleição do Pontífice Romano seriam revistas por João Paulo II, num documento de 34 páginas, a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, de 22 de fevereiro de 1996,
a qual modifica certos pontos do disposto sobre a reunião plenária dos
Cardeais para a eleição do Sumo Pontífice. No entanto, foi mantido o
antigo princípio de que, durante o Conclave, o Espírito Santo guia as decisões de cada Cardeal.
A Constituição Apostólica de João Paulo II introduziu uma grande
novidade, ao restringir a eleição do Papa a uma só modalidade: 'por
votação', ou seja, per scrutinium, post-scrutinium, que
compreende três passos. O primeiro é a contagem dos votos, o segundo a
sua verificação e o terceiro a sua destruição pelo fogo.
Todos os Cardeais eleitores estão obrigados a manter segredo absoluto
sobre tudo quanto respeite às sessões do Conclave. É-lhes vedado
comunicar com o exterior por correio, via telefónica ou qualquer outro
meio. A regra do sigilo é extensiva a todas as pessoas chamadas a
prestar apoio técnico ou logístico às sessões do Conclave: alguém
apanhado a utilizar um receptor ou transmissor, será imediatamente
expulso e punido com sanções morais que podem chegar à gravidade da excomunhão, a qual não se aplica aos Cardeais eleitores, uma vez que estão obrigados, em consciência, a respeitar a regra do sigilo (graviter onerata ipsorum conscientia).
É normal que os conclaves durem entre 2 a 5 dias (entre os do século XX o mais rápido foi o de 1939 que elegeu Pio XII em dois dias e três votações e o mais demorado o de 1922 que elegeu Pio XI em cinco dias e catorze votações. Os conclaves mais antigos tanto poderiam arrastar-se longamente (como o da eleição do Papa Celestino V entre 1292 e 1294 que demorou 27 meses) ou ficar decididos em poucas horas, como o de 1503 de onde saiu eleito o Papa Júlio II.
Preparação
Uma vez celebradas as exéquias do Pontífice falecido, prepara-se o
Conclave, o qual poderá ter início no 15.º dia seguinte à morte do Papa,
nunca ultrapassando o 20.º dia. Como já se disse, o Conclave tem lugar
dentro do Vaticano. O local deve proporcionar um adequado isolamento dos
Cardeais em relação ao exterior e também o seu alojamento em
dependências próximas do Conclave. Há cerca de um século, passou a
realizar-se na Capela Sistina, antes a capela primitiva dos Papas e 'coração' da Basílica de São Pedro e da própria Cidade de Vaticano.
O Conclave é antecedido de missa solene em que participam todos os
Cardeais. Finda a liturgia, duas mesas são introduzidas na Capela
Sistina, sendo colocadas na zona do altar-mor. A primeira é coberta com
um pano de cor púrpura e sobre ela são colocados três grandes vasos de
vidro transparente e uma bandeja de prata. A segunda é reservada aos
três Cardeais escrutinadores.
Posto isto, os Cardeais eleitores dirigem-se às suas cadeiras,
marcadas com os seus nomes. Estando todos nos seus lugares, o Mestre das
Celebrações Litúrgicas Pontifícias, encarregue de dirigir todo o
cerimonial e protocolo do Conclave, profere a frase latina Extra omnes.
É a ordem para que todos os estranhos abandonem rapidamente a Capela
Sistina. Os elementos do coro que participaram na missa, jornalistas,
equipas de televisão, etc., saem então da Capela, cujos acessos são
fechados a sete chaves.
Início do Conclave
O Camerlengo lê o juramento solene que obriga todos os Cardeais
eleitores a aceitar as condições do eligendo, a rejeitar todas as
influências externas e a manter secretas as suas deliberações. Feita
esta leitura, o Camerlengo procede à chamada dos eleitores. Ao ouvir o
seu nome, cada Cardeal levanta-se e dirige-se para a mesa onde estão os
três vasos de vidro e a bandeja de prata, perante a qual, em voz alta,
declara: "Eu (diz o seu nome) prometo, obrigo-me e juro". Pondo a mão direita sobre as Escrituras, acrescenta: "E Deus me ajude e estes Evangelhos que toco com a minha mão". Findo o juramento
por parte de todos os eleitores, O Camerlengo chama a atenção dos
Cardeais para a importância das suas decisões e a necessidade de
guardarem bem vivo "o bem da Igreja". Conclui: "Que o Senhor vos abençoe a todos!"
Depois, por sorteio, efectua-se a eleição dos três Cardeais
escrutinadores, os quais assumem a responsabilidade de verificar e
contar os votos; passam a receber, por ordem de eleição, a designação de
1.º, 2.º e 3.º escrutinador. Pelo mesmo método são sorteados os três
Cardeais infirmarii. Compete-lhes recolher os votos dos Cardeais
que adoeceram, eventualmente, durante o Conclave. Ficam recolhidos em
aposentos contíguos à Capela Sistina, na Casa de Santa Marta,
dirigida por religiosas, onde também se alojam os restantes Cardeais
eleitores. Por fim, sorteiam-se os três Cardeais revisores, encarregues
de fiscalizar os trabalhos dos Cardeais escrutinadores. Para cada um dos
três sorteios utilizam-se tiras de papel que são depositadas nos três
vasos de vidro que, como referido, se encontram sobre a mesa situada
junto do altar-mor da Capela Sistina.
Votação
Chegada a hora da votação, cada Cardeal pega num boletim, de papel branco e forma retangular, que tem escrito na parte superior Eligo in summum pontificem (Elejo como Sumo Pontífice),
com espaço para escrever o nome escolhido. Exige-se caligrafia clara e
em letras maiúsculas, mas impessoais. O voto deve ser dobrado ao meio,
e, com este apertado entre as mãos, recolhe-se em oração silenciosa: "Chamo
como testemunho Jesus Cristo, o Senhor, que seja meu juiz, que o meu
voto seja dado àquele que perante Deus considero dever ser eleito".
Votam primeiramente os Cardeais mais idosos. Um a um, os Cardeais dirigem-se para a mesa junto ao altar-mór, depositam o seu voto na bandeja de prata,
e depois levantam-na até a altura da boca do primeiro vaso de vidro.
Inclinam a bandeja e o voto cai dentro do vaso. Acabada a votação, o 1.º
Cardeal escrutinador agarra no vaso de vidro e leva-o para a mesa de
escrutínio. Uma vez aí, agita-o energicamente, para que os votos fiquem
bem misturados. Logo a seguir, deita os votos no segundo vaso de vidro.
Um a um, conta-os em voz alta, como mandam as normas canónicas, para que
todos ouçam distintamente e sem qualquer dúvida (caso os votos contados
não correspondam ao total de Cardeais eleitores, serão queimados e
passar-se-á a segunda votação).
Assim, o primeiro escrutinador pega no vaso de vidro e tira um voto.
Desdobra-o e anota numa folha de papel o nome do candidato a Papa que
dele consta. Passa o voto ao segundo escrutinador, que procede de igual
modo, entregando o voto ao terceiro escrutinador. Em voz alta e de maneira inteligível, como manda o eligendo, este lê cada nome votado. A operação repete-se até que todos os votos estejam escrutinados (contados e anunciados).
Após todos os votos estarem escrutinados, o terceiro escrutinador
fura e cose cada boletim de voto com agulha e linha. Com diz o eligendo,
a agulha tem que perfurar a palavra latina eligio (elejo)
impressa no voto. Quando todos os votos estiverem cosidos, mete-os no
terceiro vaso de vidro. Aqui chegados, cabe a cada um dos três
escrutinadores somar os votos constantes do papel em que os foi
anotando.
Chega a vez dos Cardeais revisores. Dirigem-se à mesa de escrutínio
e, cada um por seu lado, contam os votos cosidos à linha e conferem o
número total de votos com o registo feito por cada escrutinador. Devem cumprir a sua tarefa exata e fielmente, como diz o eleigendo.
Pós-votação não concludente
Se o escrutínio não for concludente, isto é, se o nome de um
candidato não somar dois terços dos votos, volta tudo à primeira forma. O
Camerlengo pede aos eleitores as notas pessoais que porventura tomaram
durante a eleição. Tais notas, juntamente com a totalidade dos votos,
são metidas numa caixa onde já se encontram as tiras de papel
respeitantes ao sorteio dos Cardeais escrutinadores, infirmarii e
revisores. A caixa é conduzida para o fogão contíguo à Capela Sistina,
onde tudo é queimado. Para que o fumo saia negro, sinal de que ainda não
foi eleito Papa, junta-se um pouco de palha molhada.
A votação, se tal for necessário, pode repetir-se até sete vezes por
períodos de três dias. No caso de três dias sem resultados, suspendem-se
os escrutínios durante o máximo de um dia, com o fim de criar uma pausa
para oração e livre colóquio entre os Cardeais eleitores.
Pós-votação concludente
Uma vez realizada canonicamente a eleição do novo Papa, o último dos Cardeais Diáconos chama dois Cardeais: o Secretário do Colégio dos Cardeais e o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias.
Então, o Cardeal Diácono, em nome de todo o Colégio de eleitores, pede o
consentimento do Cardeal que foi eleito Papa com as seguintes palavras:
-
- -Acceptasne electionem de te canonice factam in Suumum Pontificem? Aceitas a tua eleição canónica como Sumo Pontífice?
- - Aceito em nome do Senhor (o Cardeal pode rejeitar e volta-se a fazer uma nova votação).
O Decano volta a inquirir:
-
- - Quo nomine vis vocare? Com qual nome queres ser chamado?
O novo Papa diz o nome que deseja adotar. A seguir, recebe o 'acto de
obediência' por parte de todos os Cardeais. Um a um, prostram-se diante
dele e osculam-lhe o pé direito.
A caixa que contém os votos, os apontamentos dos Cardeais e as tiras
do sorteio dos escrutinadores é levada a queimar dentro do fogão da
Capela Sistina, sem palha molhada. Sai fumo branco, sinal de que foi
eleito um novo Papa. Pouco depois, o primeiro dos Diáconos vai à varanda
da Basílica de São Pedro anunciar a boa nova:
Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam! Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum, Dominum [primeiro nome], Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinalem [apelido], qui sibi nomen imposuit [nome papal]. |
"Anuncio-vos com a maior alegria!: Temos Papa! Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor, Senhor [primeiro nome], Cardeal da Igreja Católica Romana [apelido], que escolheu para si o nome de [nome papal]." |
Mais tarde, o Papa recém eleito assomar-se-á à varanda da Basílica. O seu primeiro gesto é a Bênção Urbi et Orbi, lançada sobre a cidade de Roma e o Mundo.
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